Foi muito oportuna e feliz, no contexto do ano jubilar, e também da comemoração dos 1700 anos do Concílio de Nicéia, a escolha do tema do 34°Curso para Bispos realizado no final de janeiro na Arquidiocese do Rio de Janeiro. De fato, o jubileu nos leva a aprofundar o conhecimento e a relação com Jesus Cristo, e a proclamar a mensagem central do cristianismo, ou seja, o querigma, a boa nova do amor de Deus e da redenção através da morte e ressurreição de Jesus.
Uma boa referência para abordar os desafios pastorais foi o estudo e análise do Censo 2022. O Sr. Felipe Feijó, do IBGE, apresentou um atlas religioso do Brasil, a partir do Censo Demográfico de 2022. Embora não tenham sido ainda publicados os resultados oficiais conclusivos, algumas informações já se tornaram conhecidas. Entre estas destaca-se a mudança em algumas tendências do fenômeno religioso no Brasil que se verificavam nos últimos censos, entre as quais: a diminuição do ritmo da queda do percentual de católicos e do aumento do percentual de evangélicos, e o crescimento do percentual dos que se declaram sem religião e das religiões de vertente afro.
Numa partilha de análise e interpretação dos dados, o Cardeal Jaime Spengler, Arcebispo de Porto Alegre, Dom Gilson Andrade da Silva, Bispo de Nova Iguaçu, e Dom Joel Portella Amado, Bispo de Petrópolis, ressaltaram que, de forma geral parece afirmar-se que a crise não é tanto de religiosidade, mas de pertencimento institucional, fenômeno que às vezes é chamado dos “desigrejados”, e também dos que às vezes se identificam mais com alguns influenciadores digitais do que com o magistério da Igreja. Esse contexto aponta justamente para centrar a ação evangelizadora no carisma, no encontro e experiência pessoal com Cristo, na iniciação à vida cristã (IVC) em estilo catecumenal, em comunidades que sejam realmente acolhedoras. Isso já vem sendo ressaltado, mas necessita concretizar-se com novas posturas e iniciativas pastorais na linha missionária, da Igreja em saída, com foco no carisma e na centralidade do encontro com Cristo como acontecimento fundante da fé.
Nesta linha, cabe ressaltar, através de citações dos assessores que abordaram o tema central, alguns aspectos marcantes do estudo do tema do curso.
Cardeal Victor Manuel Fernández, prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, ressaltou aspectos do magistério do Papa Francisco a respeito: “O querigma é a proclamação (ato de anunciar) da mensagem pascal que provoca a irrupção de um acontecimento na pessoa e na sociedade (o Reino). É o centro ao redor do qual tudo recebe sentido. É a força de um acontecimento, não uma doutrina. É um anúncio potente, que tem em si mesmo a força de provocar uma experiênciam que por sua vez funda uma situação nova. É um anúncio que deve atrair como beleza, a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado (cf. EG 36). “Na boca do catequista, volta a ressoar sempre o primeiro anúncio: ‘Jesus Cristo ama-te, deu a sua vida para te salvar, e agora vive contigo todos os dias para te iluminar, fortalecer, libertar’. Ao designar-se como “primeiro” este anúncio, não significa que o mesmo se situa no início e que, em seguida, se esquece ou substitui por outros conteúdos que o superam; é o primeiro em sentido qualitativo, porque é o anúncio principal, aquele que sempre se tem de voltar a ouvir de diferentes maneiras e aquele que sempre se tem de voltar a anunciar, duma forma ou doutra, durante a catequese, em todas as suas etapas e momentos’ (EG 164). “Todos somos chamados a dar aos outros o testemunho explícito do amor salvífico do Senhor, que, sem olhar às nossas imperfeições, nos oferece a sua proximidade, a sua Palavra, a sua força, e dá sentido à nossa vida. O seu coração sabe que a vida não é a mesma coisa sem Ele; pois bem, aquilo que descobriste, o que te ajuda a viver e te dá esperança, isso é o que deves comunicar aos outros” (EG 121). Falando do impacto do querigma na práxis pastoral, Dom Victor aprofunda seis questões pastorais: o anúncio não pode ser desencarnado; exige conversão pastoral; deve ser missionário, em saída, em busca de quem não o acolheu; tem como destinatários os afastados de Cristo; cada cristão é chamado a colaborar no anúncio missionário (pessoa a pessoa); necessita métodos e recursos novos, diversos carismas e diferentes formas de ser e de expressar-se; o anúncio do carisma é comunitário e social.
Dom Rino Fisichella, prefeito do Dicastério para a Evangelização, ressaltou os desafios atuais para a Evangelização: “A Igreja não evangeliza porque é colocada diante do grande desafio do secularismo em suas diversas manifestações; porque também o grande problema das seitas religiosas de fato pertence a esse processo que reduz ao relativismo das escolhas pessoais. A Igreja evangeliza porque deve ser obediente ao comando do Senhor de levar o seu Evangelho a cada criatura. Neste simples pensamento condensa-se o projeto de sempre e sobretudo dos próximos anos... Hoje a evangelização e a transmissão da fé estão em primeiro plano, porque tocamos as consequências da crise... A cultura digital é um grande desafio. Precisamos entender que estamos no início de uma nova cultura e que a evangelização exige que tenhamos consciência desse grande desafio... Como ser cristão em tempos de cultura digital? Como evangelizar nessa cultura?... Não se deve perder de vista o objetivo fundamental: anunciar o Evangelho de Jesus Cristo para que todos tenham a salvação. A transmissão da Palavra de Deus deve ser feita com fidelidade ao conteúdo, mas sem esquecer a quem ele é dirigido. Numa segunda palestra, Dom Rino falou sobre o Jubileu da Esperança.
Pe. Mário de França Miranda, SJ, explicitou a questão dos desafios falando sobre o cristianismo e a sociedade atual, ao redor de oito temáticas que apenas enumero, devido ao espaço desta comunicação: a sacramentalidade da fé cristã; a sinodalidade eclesial; a realidade cristã é humano-divina; a fé cristã e a sociedade atual; a Igreja e a cultura cibernética; um cristianismo inclusivo; um cristianismo atuante pelos pobres; um cristianismo do mistério de amor. Abordou os temas na perspectiva pastoral, respondendo, com sua visão qualificada, à questão de como evangelizar nesta atual sociedade.
Pe. André Luis Rodrigues da Silva, professor da PUC-RJ, falou do contexto, história e significado do Concílio de Nicéia, acontecido há 1700 anos.
Dom Richard Smith, Arcebispo de Edmonton – Canadá, fez um relato impactante sobre a Igreja no contexto cultural canadense, abordando a delicada questão da relação com os povos indígenas, o grande desafio da legalização da eutanásia, o histórico da situação de perda de credibilidade e confiança diante da sociedade.
Dom Antônio Catelan Ferreira, Bispo Auxiliar do RJ, apresentou ao final uma síntese das reflexões e perspectivas para aprofundamento e realização. O querigma é sintético na sua essência, mas pluriforme em suas expressões. É o primeiro e permanente anúncio de Jesus Cristo que deve ser conhecido. São essenciais para esta comunicação o testemunho e a fraternidade. Lembrou Aparecida e Evangelii Gaudium, ressaltando os âmbitos da pastoral: cuidar dos que frequentam; buscar e acolher os afastados; sair ao encontro dos que ainda não conhecem Jesus.